Jornalista faz desabafo após morte do pai com suspeita de coronavírus


A jornalista Cristiane Caldeira fez uma desabafo emocionante na sua rede social após a morte do seu pai com suspeita de coronavírus. O senhor Amadeu Marques Caldeira, de 78 anos, faleceu no começo da manhã de ontem (26) no Hospital Estadual de Sumaré. Cris postou a seguinte mensagem:

“Pensei muito antes de divulgar esse texto. É a dor da minha família sendo exposta. Mas é também um dever moral.

A você, que está fazendo carreta pedindo o fim da quarentena, um recado: o vírus vai entrar na sua casa e tirar de você aquilo que mais ama.

A ameaça, que era invisível para muitos até então, está tomando forma de amigos e familiares. Minha dor é a mesma de milhares de famílias que estão enterrando seus mortos sem ao menos o acalento da despedida.

Coloque a vida acima de qualquer outro interesse e fique em casa. Ela é um sopro, meu amigo. Meu pai não completou um dia de internação. E no final, você vira um saco de ossos, e mais um número na estatística.

PS- A você que possa vir a dizer “mas o resultado ainda não saiu”: se esse exame der negativo ou inconclusivo, não há como fazer uma contraprova. Meu pai está sepultado. No caos que estamos vivendo no sistema de saúde pública, interessa a quem comprovar?

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Perdi meu pai para o coronavírus

Sabemos que pai e mãe não são pra sempre, mas também não ficamos pensando no quando esse pra sempre vai acabar. O meu acabou neste dia 26 de abril.

Meu pai tinha 78 anos, era hipertenso e tinha doença de Chagas, mas se cuidava e era ativo, tão ativo que mesmo aposentado fazia bicos como “faz tudo” na vizinhança. Tão bem disposto que subiu e desceu três vezes do telhado que estava consertando no dia 16 de abril. Seu último bico.

Naquele dia 16 de abril não conseguiu voltar pra casa carregando sua escada sem parar para descansar. Sentiu pela primeira vez a fraqueza que o jogou na cama, de onde só se levantava para dar alguns passos com muita dificuldade.

A pressão subiu, teve febre. Ficou uma semana entre idas e vindas da UPA (Unidade de Pronto Atendimento). Com as plaquetas despencando, foi tratado como suspeita de dengue. Não tinha sintoma respiratório até este sábado, dia 25, quando começou a ficar ofegante e sentir dor do lado esquerdo do peito ao respirar.

Voltou à UPA no final daquela tarde. O raio-x apresentou mancha em todo pulmão esquerdo. Já não podia mais ficar sem o respirador. Foi levado ao isolamento e de lá, transferido entubado para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital Estadual Sumaré, às 23h.

A morte foi atestada às 6h35 do dia 26 de abril. Causa na declaração de óbito: “Insuficiência respiratória a esclarecer: aguardando exames laboratoriais swab naro coronaviges; doença de Chagas; hipertensão arterial”.

Da UTI foi embalado num saco plástico e colocado num caixão, que deixou o hospital direto para o cemitério, todo lacrado com fita adesiva. No cemitério, eu mal pude tocar no caixão do meu pai, tive que esperar à distância a autorização para me aproximar do túmulo.

Participaram do sepultamento eu, minha irmã mais velha, meu cunhado e quatro coveiros. Só quebrava o silêncio daquele momento o barulho das pás no concreto. Uma dor profunda, contida, solitária.

Meu pai entrou para a estatística da pandemia, mas nunca será só um número. Tinha nome, RG, CPF e uma vida digna. Deixou esposa, três filhas, quatro netos. E um vazio enorme na minha família”, definiu a jornalista. Nossos sentimentos à família.

 

 

 


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Publicado em: 27 de abril de 2020 Autor: keller stocco Categoria: CIDADES

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